segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Tchekhov pega piscina em Goiás

Estive em Caldas Novas por quatro dias de janeiro. Cidade mal cuidada, nenhum atrativo exceto dezenas de pequenas lojas – para quem gosta ou precisa – com produtos de piscina, sandálias, vestidos, bóias etc. Parece que depende essencialmente de turismo – nos hotéis, pois há pouco o que se fazer fora deles. Até alguns anos atrás os moradores tinham acesso gratuito às famosas águas quentes, em casa; hoje todos pagam por elas. Informa o guia que para manter a fama, hotéis começam a fornecer água esquentada (algo como água mineral gaseificada).
Fiquei em um hotel grande, simples, serviço honesto, funcionários inexperientes, mas esforçados. O arquiteto que o desenhou colocou o prédio entre o sol da manhã e as piscinas, um erro primário. No geral, ok, exceto pela omissão do gerente em relação ao “recreador”: o infeliz ganhou o primeiro pendrive de sua pobre vida logo antes de nossa chegada; gravou 2 ou 3 discos de axé, pagode ou coisas assim e insistiu em tocar aquilo como se estivesse acabado de descobrir a alegria. Ligava aquilo pela manhã e deixava até 22 horas! Reclamamos com a gerência, registramos queixa no livro da recepção, iniciamos uma revolta popular (um dos companheiros, mais irritado, desplugou uma das duas enormes caixas de som), enfim, o que foi possível, além de ter conversado, antes com o “recreador”: um tipo escarrado de academia de musculação com cara de quem havia atingido o nirvana no carnaval de Salvador.
Bom, eu é que não iria estragar meus últimos dias de férias por conta disso. Instalava meus óculos, minha lata de cerveja, meus pés sobre a cadeira defronte e meus olhos ávidos n´O assassinato e outras histórias, do Anton Tchekhov na, me parece, ótima tradução de Rubens Figueiredo.
São os contos mais longos, da maturidade (como a minha, que me permitiu ler por horas sem me lembrar do som do “recreador”), de onde cito dois pequenos trechos: o narrador vai à casa de um sujeito cuja esposa escreve romances e os apresenta em saraus (preciso falar disso aqui, hora dessas). Num deles, ele reflete: “A mediocridade não consiste em ser incapaz de escrever histórias, mas em ser incapaz de manter escondido aquilo que foi escrito.” (in  Iônitch). Vou usar como epígrafe no meu próximo livro...
O outro me lembra meu tio Zeca, charadista, e alguns poetas bem humorados: “Eu também vivia bem, Sua Excelência, eu tinha dois cavalos, três vacas, criava vinte ovelhas, mas veio o tempo em que só me restou uma bolsinha, e nem é mais minha, mas do Estado, e agora em toda a nossa Nedochotovo pode-se dizer que não tem casa pior que a minha. Na casa de Caio tinha quatro lacaios, agora Caio é lacaio. Na casa de Domo tinha quatro mordomos. Agora Domo é mordomo.” (in Em serviço).

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