domingo, 24 de novembro de 2013

MALAFAIA E JONATHAS

   Jonathas é o gaúcho de 23 anos que conheci semana passada. Sujeito simpático, bem disposto, boa prosa. Nos poucos contatos que tivemos em cinco dias, fiquei sabendo que ele

  se separou porque gosta de trabalhar muito;
  aos 13 anos fez um curso na empresa em que o pai trabalhava;
  a partir dos 15 não parou mais de trabalhar: passou por todas as funções relacionadas ao que aprendeu (metalurgia, tornearia, algo assim);
  ao conhecer Santa Catarina, decidiu viver na praia; 
  atualmente é zelador de um prédio, recepcionista de uma pousada, entregador de marmitas, motorista e um faz-tudo-o-que-aparecer: está fazendo uma poupança para os tempos da faculdade de "advocacia";
  na alta temporada, trabalha como garçom na areia e torna-se sócio do patrão ao explorar o lote vago ao lado da pousada como estacionamento;
  financiou um apartamento que pretende transformar em fonte de renda extra (o pai o ajuda a pagar com parte da herança a que ele teria direito);
  acaba de trocar um carro velho por outro menos velho (e na transação sacrificou algumas centenas de reais para ajudar o vendedor, que é seu amigo);
  apesar de estar evidentemente acima do peso, garante que a saúde é ótima, pressão a 12 por 8 e não conhece dentista;
  atento, denuncia a precária politica pública de saúde da prefeitura;
  ao saber que sou escritor, diz, feliz e cúmplice, que adora ler, inclusive está esperando chegar um livro que encomendou por sugestão do pastor Silas Malafaia.

   O pastor Silas Malafaia está de olho no bolso do Jonathas.
   Jonathas, não permita que o pastor Silas Malafaia roube seu dinheiro.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

NOTA SOBRE O VELHO SAFADO

pro Bortolotto e pro Caio e pro Marcelo Montenegro e pro Ademir Assunção

   
   
   Acabei o 2º grau e fiquei uns quatro anos só vendendo meus livrinhos pelas ruas de BH. No pré-vestibular, de tanto assistir às aulas de literatura, acabei virando amigo do professor. Um dia, sem mais, me abordou no corredor com um livro: "Acho que você vai gostar disso". 
   Era o Cartas na rua, recém-lançado pela Brasiliense.
   Antes de publicar meu primeiro livrinho de poemas em 1979, eu tentava escrever contos, mas por ler muito crônicas, o que saía era algo terrivelmente ingênuo e mal ajambrado. Ao terminar de devorar o Cartas e as Notas de um velho safado, escrevi meus primeiros contos.
      Mas a historinha de que mais gosto foi com o Mulheres: eu trabalhava numa cidade vizinha e, morando e estudando em BH, ia e voltava todo dia. Assim que o livro chegou na Coltec, comprei, mas, como tinha aula à noite, deixei para começar no dia seguinte. No dia seguinte tinha que pegar alguma coisa numa gráfica, mas a coisa ainda ia demorar para ficar pronta. Para dar um tempo, procurei uma lanchonete: faria um lanche e pegaria o Mulheres
   Porém, havia um bar no meio do caminho...
   Lá pelas 11h, meia dúzia de cervejas e muitos cigarros, tinha passado da página cem e dado muita risada sozinho. Chutando o balde do compromisso profissional, peguei a namorada na hora do almoço e fomos pro barraco dela acompanhados de pizza e vinho.
   Bela tarde foi aquela...

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

RODRIGO LESTE LÊ NOVELLA


Parabéns pelo seu Novella, que arrisco a definir como um livro blues.


A triste paisagem urbana dos seus contos, as personagens, às vezes sórdidas, às vezes mórbidas, mas sempre acachapadas por uma realidade desumana e opressora, remetem à Chicago e outras metrópoles americanas (e, por que não, do mundo?) onde os negros e pobres e fudidos em geral arrancam de seus instrumentos e gargantas os lamentos que expressam espanto e perplexidade diante do mundo-cão que avança contra os seus calcanhares. – Sebo nas canelas, moleque, o bicho é feio!


Por sair do lamento e partir pro escracho rasgado, a canalhice deslavada, o cinismo sem fronteiras, gostei demais do conto Pra cima com a vida!, o melhor do livro, na minha opinião (ri à beça!).


Apesar de todo o cuidado que sei que você tem com o acabamento do texto, a técnica não se sobrepõe, o truque fica bem guardado e os contos trazem o frescor da espontaneidade criativa, do escrever “em cima do joelho”, do estilo “desleixado” de quem teve a ideia, a colocou no papel e pronto: foi pro forno (sem permitir ao leitor pensar que toda a obra foi revista inúmeras vezes até que você se dê por contente com o “resultado final”. Final???).


Como Jimi Hendrix que antes de morrer, dizem, tinha a ideia de fazer experimentações com música sinfônica; como Picasso que sempre que era rotulado como “cubista”, ou “num sei o quê”, mudava tudo e aparecia com inusitado estilo que desconcertava público e crítica, acredito que o atributo do artista é experimentar sempre.  - Atitude que tira o nosso conforto de navegar no universo do já conhecido, dominado e bem sucedido. – Assim, sem embromações, tomo a liberdade de sugerir que você parta pra quebradeira, rompa com tudo que já fez antes, destrua as trilhas e caminhos já percorridos em Novella e nos seus livros anteriores e parta para outras tentativas e experimentações. Queime navios, mano, pode te fazer bem!